'A Língua e a Cultura Portuguesas no Tempo dos Filipes', resenha de Fernando Corredoira

Segunda, 19 Novembro 2012 09:40

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Fernando V. Corredoira - Desde que publicado, o estudo de Pilar Vasquez Cuesta tornou-se numa referência sobre a questão do bilinguismo literário castelhano-português. Uma referência académica sólida, acrescentaríamos se não temêssemos assustar os potenciais leitores dum raro livro de conseguida vocação divulgadora.

A Autora vinha na Europa-América, Lisboa, acompanhada de Stevenson (O Médico e o Mostro) e das irmãs Bronte (O Monte dos Ventos Uivantes), entre outros. Um livro barato, cómodo e tão bem acompanhado quase que dispensa de recomendações. Se, ainda a mais, esse livro aborda com consistência uma questão histórica interessante que nos diz respeito, até aí tratada em artigos universitários esparsos eruditos e mais ou menos inacessíveis, pois esse livro já está recomendado. Junte-se certa sensibilidade, talvez certas susceptibilidades, muito galegas segundo nos parece, que predispõem a Autora a contar-nos uma história que é não bem mesma que a nos contaria um lusitanista francês ou uma filóloga portuguesa.

Dizer bilinguismo literário castelhano-português é trazer à memória a hegemonia peninsular castelhana e a monarquia dual. Nessa ordem, pois, com efeito, a Autora faz bem em nos lembrar que o cultivo do castelhano em Portugal é anterior à instauração no trono da Casa de Habsburgo na pessoa de Filipe II de Castela. Foi anterior e durará mais do que o tempo dos três Filipes que durante sessenta anos se sucederam como reis também de Portugal. Uns quarenta ou cinquenta anos mais, até irem morrendo os últimos autores formados antes da Restauração.

Afirmar que Portugal perdeu a independência ou que foi anexo por Espanha em 1580 não seria inexacto, seria um grosseiro erro. Primeiro, porque España não existia; segundo, porque Portugal era tão Hespanha (conceito geográfico e cultural) como Castela — era na verdade a melhor terra de Hespanha, como mais ou menos faz dizer o príncipe dos engenhos espanhóis, Luís Vaz de Camões, claro, a Vasco da Gama em presença do rei de Calecut; e terceiro, porque Portugal continuou a ser reino à parte, com o seu império à parte (foi o açúcar brasileiro que oportunamente custeou os exércitos portugueses — açúcar que os Catalães não tinham), com as suas cortes, leis e moeda à parte e com a sua língua à parte. Com a sua língua à parte? Essa é a questão que interessa à Autora.

Sim, porque, sem embargo do que fica dito, a instauração da nova casa reinante veio a reforçar a difusão do castelhano em Portugal e acabou por ir conduzindo à provincianização cultural do reino. Falamos de língua literária, de língua cidadã da República das Letras mas também de língua imperial ou de poder.

Vazquez Cuesta conta-nos o progredir do prestígio e do cultivo do castelhano literário no reino de Portugal. Diz-nos que foi tal que ameaçou com malograr a formação ou consolidação de uma literatura portuguesa, ainda bem imatura. Diz-nos também que estava a instaurar-se em Portugal uma espécie de diglossia, e que tudo isto foi atalhado pela Restauração.

Lido em 1988, Língua e Cultura Portuguesas no Tempo dos Filipes era um estímulo e uma lição. Em 2012 também.

 

Fernando Vásquez Corredoira

Fernando Corredoira (Corunha, 1965). Licenciou-se em Filologia Galego-Portuguesa na Universidade da Corunha (1992), onde seguiu cursos de doutoramento (1993-95) e apresentou a sua Tese de Mestrado. Bolseiro do Instituto Camões, frequentou o Curso de Língua e Cultura Portuguesas para Estrangeiros na Universidade Clássica de Lisboa (1993-94), bem como o Curso Universitário de Formação para Professores de Português, Língua Estrangeira na Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1996-97).

Ensinou língua castelhana e literatura portuguesa na Universidade Federal de Goiás, no Brasil (1998-99). Regressou à Galiza e desde então (1999) trabalha como tradutor e intérprete de português. Foi professor de Língua Portuguesa na Escola Oficial de Idiomas (2001-2007).
Estreveu A Construção da Língua Portuguesa — O Galego como exemplo a contrário (1998), bem como alguns artigos combativos sobre a questão da língua.

Traduziu em colaboração A doutrina do ADN, de R. C. Lewontin (Laiovento, 2000), com Salvador Mourelo, e Linguas e Nacións na Europa, de D. Baggioni (Laiovento, 2004), com Mário Herrero, e alguns artigos académicos (1997: "A Melhor Orthographia"; 1998: "Cultismos Estranhos"; 2001: "A Questão da Ortografia. Poder, Impotência e Argalhadas", etc.). É responsável pola versão anotada do Sempre em Galiza de Castelão (ATRAVÉS|EDITORA, 2010) e autor de 101 Falares com Jeito.

Desde 2008 é membro da Comissom Lingüística da Associaçom Galega da Língua (AGAL) e da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da AGLP. Colaborou no estabelecimento do Léxico da Galiza para ser integrado no Vocabulário Ortográfico Comum da Língua Portuguesa (2009).

 

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