'Temas de Linguística Política', resenha de Mário Herrero

"Espero que o Professor Gil Hernández continue a importunar com os seus olhares incómodos sobre a Galiza, os galegos e as galegas. E sobre Portugal, os portugueses e as portuguesas"

Quarta, 25 Janeiro 2012 00:00

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Mário Herrero, tradutor e autor de Guerra de Grafias, conflito de elites

Mário Herrero - Temas de Linguística Política. Seguido dum avanço de Política Linguística. Leves reflexões sobre política nacional 'española' é a segunda publicação de alta qualidade editada pela Associação de Amizade Galiza-Portugal e da autoria de António Gil. Apresenta-se o conflito linguístico e sociolinguístico galego através dos discursos gerados, uma apresentação altamente didáctica e bem exemplificada.

O olhar do Professor Gil Hernández é incómodo. E este livro é um magnífico exemplo disso. Estamos perante uma visão de conjunto do seu discurso sociolinguístico e socioliterário, e não apenas. Uma visão que unifica a sua teoria sobre a Língua Nacional e a Literatura Nacional. Com a Galiza como foco e, como analista que intervém e não apenas opina, com propostas de futuro. Parece-me um livro com um discurso extremamente claro. Mesmo reconheço que fiquei surpreendido por tanta claridade em alguém que gosta da sintaxe complexa e dos -por vezes retorcidos- jogos de palavras. Ninguém poderá dizer que esta é uma leitura difícil, mas talvez o contrário, acho que estamos perante uma leitura demasiado fácil. E talvez por isso demasiado difícil de digerir, mesmo de dentro do reintegracionismo.

Permito-me propor uma leitura dos dez primeiros capítulos, como núcleo básico do livro e onde se apresentam os conceitos básicos e a sua aplicação ao contexto galego: os discursos em conflito, o papel das elites galegas, a normalidade e anormalidade sociolinguística, a Lusofonia, a diglossia, a comunidade linguística, a língua nacional e a literatura nacional, os direitos humanos, o Estado... Considero que os outros capítulos e a adenda podem ter outro tipo de leitura, complementar, mas não secundária. Do ponto de vista reintegracionista, acho que estamos perante uma óptima apresentação do conflito linguístico e sociolinguístico galego através dos discursos gerados, uma apresentação altamente didáctica e bem exemplificada do ponto de vista textual.

Obviamente, há muitos aspectos sobre os quais podemos e devemos discutir: a definição crítica do que é o “normal” e a “normalidade” e as suas implicações para um discurso de resistência, a insistência na questão da uniformidade do padrão, a falta de autocrítica sobre as implicações sociopolíticas do modelo diglóssico apresentado e defendido, a necessidade de modernizar algumas partes do discurso com bibliografia mais actualizada, etc. Talvez o próximo livro que anuncia, o Temas de Política Linguística, que eu diria de Glotopolítica, sirva para isso. De facto, devo dizer que a minha leitura muito positiva da obra de Gil Hernández e deste livro em particular está feita também sobre a base de discrepâncias na teoria e até na prática. Talvez a grande riqueza do reintegracionismo galego, ainda muito minoritário socialmente, seja a variedade de perspectivas críticas que engloba numa sociedade cada vez mais uniformada ideologicamente. Talvez a questão de “sermos poucos e ainda nos levarmos mal” não seja necessariamente um pecado, mas uma virtude. Um sintoma de estarmos vivos. Mas para isso devemos esquecer os nominalismos e centrar-nos decididamente nas ideias e nas propostas de trabalho. Acho que poderemos discutir também sobre isto.

Concluo. Espero que o Professor Gil Hernández continue a analisar, de forma comprometida, o rosto sociolinguístico da Galiza. E a propor soluções para evitar mais um genocídio linguístico: o limpo genocídio democrático do português na Galiza, o extermínio do galego como hipótese ainda não verificada de língua nacional. Na Galiza vivemos num paradoxo: existe uma língua que ninguém está obrigado a conhecer, mas que deve ser escrita de uma forma determinada, com as letras doutra língua que é de obrigado conhecimento, mas que ninguém obriga a escrever de uma forma determinada. Paradoxos da democracia. Com certeza, há realidade sociolinguísticas até mais estranhas no mundo. Em Vanuatu, um pequeno estado insular do Pacífico, o crioulo é a língua nacional, mas o seu ensino está proibido. Talvez o português venha a ser algum dia língua nacional da Galiza. Provavelmente quando já não seja um problema político para a Espanha e para as suas elites. No entanto, espero que o Professor Gil Hernández continue a importunar com os seus olhares incómodos sobre a Galiza, os galegos e as galegas. E sobre Portugal, os portugueses e as portuguesas.

 

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