Ramom Reimunde - Há tantos anos, -quase trinta-, que não lembro já bem como foi aquilo da entrevista ao nosso admirado professor D. Ricardo. Vou tratar de remover aquelas lembranças. Foi no ano 1985 no Instituto Feminino de Lugo, por outro nome católico, dos Olhos Grandes, imagem da patrõa de Lugo na Catedral.

Eu impartia aulas de Língua e Literatura Galega, com certeza bem integradas na normativa da AGAL, tudo isto ante o escándalo daquela sociedade conservadora e fiel à língua rural deturpada, e mais apesar das advertências da Inspeção da Delegação de Educação, muito próxima ao lugar e ciumenta de velar pola ortodoxia linguística implantada polos espanholistas do ILG_RAG, pois bem, lá, fazíamos também vídeos didáticos e publicitários da nossa forma de escrever a língua.

Tínhamos um grupinho de alunas com as quais trabalhávamos no audiovisual ao que chamávamos "Videobradoiro". Seriam umas seis ou sete comigo, único galo feliz naquel galinheiro feminino. Inclusivamente fazíamos visualização de tudo aquilo do que gostávamos, gravando imagens segundo um guiom elemental e muitas vezes improvisado, ajudados de uma câmara de vídeo também muito básica. Também gravávamos imagens e palavras de que não gostávamos, como um vídeo titulado "Belezzas de Lucus" em que mostrávamos todo o feio e abandonado da cidade das muralhas romanas, com uma voz em off que imitava um castrapo desastroso. Naturalmente, tudo isto tinha um fim educativo e crítico, para o que usávamos a ironia.

Mas o que mais trabalhavamos foi em entrevistas a escritores e pessoas que falassem em galego sobre cousas interessantes. Todo escritor luguês em galego passou por lá, ou nós passamos pola sua casa, como no caso de Ângelo Fole, já velhinho, do que sempre ocultamos o vídeo por delicadeza ante a figura decrépita do simpático jornalista.

E uma das entrevistas que melhor preparamos foi a de D. Ricardo Carvalho Calero. As alunas estavam advertidas de que tinha que sair bem, dada a admiração e respeito que eu tinha ao meu antigo professor. Muito avisadas de que não se podiam rir vissem o que vissem e ouvissem o que fosse. A cousa começou já regular, porque D. Ricardo entrou sorrinte no Hall do Instituto e deu-me um sonoro abraço, com o qual as alunas riram. Depois entramos no escritório do Diretor e começou a sessão de maquilhagem básica, - que não de humidade da terra ou frescura-, copo de água, microfone, luzes, nó da gravata do entrevistado, provas de voz... tudo muito bem, mas afinal não serviu para nada, porque foi uma anarquia: eu perguntava improvisando sobre a marcha, D. Ricardo respondia à vontade, a moça das luzes jogava com as sombras, a outra rapariga da câmara cambiava o plano e gravava as plantas ou as janelas, soava o telefone do Diretor, e mesmo tocou o sino do timbre de câmbio de aulas. Em fim, uma maravilha!

Mas... porém, lá estavam gravadas as imagens e as palavras do inesquecível professor Carvalho Calero, com os modestos recursos de uma câmara de vídeo para amadores... Ah! mas...contudo, esta foi a melhor, mais longa e mais valente entrevista que se lhe fez a D. Ricardo. Podem comparar com outras na TVG com grandes meios técnicos.

Esta entrevista, -da que reconheço e pido desculpas polos falhos audiovisuais-, é, aliás, uma prova documental inegável da presença física de D. Ricardo como suporte real às palavras autênticas que pronuncia, que tantas vezes tinha escrito em artigos e livros, pois ninguém pode negar que é ele quem fala e tem conta do que diz. Isto no futuro não se poderá adulterar nem maquilhar e fica como documento, agora digitalizado mercê ao extraodinário trabalho dos amigos do Portal Galego da Língua para a nossa memória histórica gravada.

O texto íntegro e literal desta entrevista foi publicado na revista O Ensino, nº18, 1987.

Mais gravações inéditas: palestras sobre Rosalia e Otero Pedrayo

Entre outras trabalhos que fomos realizando naquela década, com o professor Carvalho Calero como protagonista, recuperamos também agora o vídeo da sua palestra sobre Rosalia, gravada em Lugo, no auditório de Caixa Galicia junto à Praça de Abastos.

E a palestra magistral sobre Otero Pedrayo gravada numas Jornadas do Ensino da AS-PG em Compostela, acho que por volta de 1989, polo que seria uma das últimas imagens do bem querido professor.

Ambas foram vistas por muitas gerações dos meus alunos do Liceu de Foz. E para já por quem quiser. São de todos nós.