Olívia Pena: "Quero que saibam que estão a fazer uma escolha boa para o seu futuro, mas sem perder a perspectiva de que estou a trabalhar com preadolescentes"
"Não utilizo nunca manuais de português 2ª língua estrangeira, porque qualquer dos meus alunos tem a priori mais conhecimentos do português do que alunos que falam outras línguas”
Sexta, 06 Dezembro 2013 00:00

PGL - Olívia Pena é professora de português no IES Alfredo Branhas de Carvalho. Neste centro há quatro turmas, nos níveis 1º, 2º e 3º de ESO e 2º de Bacharelato. No PGL quisemos entrevistá-la para que nos aproximasse da sua experiência e nos transmitisse a sua paixão.
Olívia, no presente ano letivo, há mais duas turmas a respeito de 2012/13. A língua portuguesa nos centros de secundário é uma matéria optativa que concorre com outras disciplinas. O que motiva os alunos e alunas a escolherem português?
Antes de mais, devo dizer que, na realidade, a 2ª língua estrangeira (qualquer que seja) é matéria obrigatória em 1º e 2º de ESO e só nos níveis superiores é optativa. Isto tem importância, porque as matérias obrigatórias não precisam de um determinado número de alunado. Ao estarmos ainda no começo, o facto de podermos formar turmas com poucos alunos favorece a implantação da matéria. O que acontece muitas vezes com as matérias optativas é que não conseguimos formar turmas e alunos e alunas que desejavam escolher uma matéria têm de escolher outra. Isto foi o que aconteceu em 4º de ESO e em 1º de bacharelato neste ano lectivo.
Quanto à motivação do alunado quando escolhe português, é diversa. Lamentavelmente, a maioria ainda não é consciente de estar a fazer realmente uma escolha positiva para o seu futuro. Simplesmente acham, no melhor dos casos, que deve ser uma matéria mais fácil do que outras pela proximidade ao galego, mas não chegam a analisar os motivos nem as repercussões que isto pode ter na vida real.
Como é o processo para um docente poder lecionar português no secundário? Existem vagas de especialistas?
O procedimento é muito fácil, não só para o português, mas para qualquer das línguas que a nossa legislação aceita como 2ª língua estrangeira. Só tem de haver professorado que se comprometa a dar continuidade à matéria nos anos seguintes e que acredite conhecimentos da língua estrangeira de que se tratar. Depois solicita-se formalmente e mais nada.
Quanto à segunda pergunta, não, não existem vagas de especialistas. Embora pareça estranho, em certa medida é normal, porque nenhum professor pode aspirar a leccionar só uma matéria optativa. No momento em que se permitir legalmente o português como 1ª língua estrangeira –e consta-me que já há algum instituto onde isto é uma realidade, embora seja por agora como excepção–, haverá que criar vagas de especialistas e quero acreditar que as actuações da autoridade educativa nesse momento irão nesse sentido.
É um lugar-comum afirmar que o português é uma vantagem competitiva para a cidadania galega. Isto torna-se patente nas vossas aulas?
Essa é uma das ideias que tento transmitir ao meu alunado e acho que finalmente ficam a acreditar, especialmente nos níveis mais altos. Com os pequenos, é mais complexo. Quero que saibam que estão a fazer uma escolha boa para o seu futuro, mas sem perder a perspectiva de que estou a trabalhar com preadolescentes e que, para eles, a aproximação ao português tem de ser motivadora e interessante por si própria e não pela utilidade que desse conhecimento possam tirar no futuro. Parece-me muito mais importante que aprendam e se divirtam nesse processo da adquisição da língua, sem necessidade de serem conscientes todo o tempo de estarem a fazer uma escolha que pode determinar (nem que seja em sentido positivo) o seu futuro.
Como focais as aulas de português? Que conteúdos se lecionam e o que se pretende obter?
As aulas de português focam-se, como qualquer outra aula de língua estrangeira, nos conteúdos que estabelece o Marco Comum Europeu das Línguas para cada nível. Contudo, não utilizo nunca manuais de português 2ª língua estrangeira, porque qualquer dos meus alunos tem a priori mais conhecimentos do português do que alunos que falam outras línguas. Aliás, nesses níveis mais baixos pretende-se sobretudo uma aproximação à língua, mesmo às vezes através do galego, porque é possível o alunado não ter contacto nem sequer com a nossa língua e acho que é fundamental para facilitar a aprendizagem. De facto, muitas dificuldades com o português produzem-se por desconhecimento do galego. Neste sentido, tenho a certeza de que seria possível que essas dificuldades ficassem muito atenuadas com algo tão simples como a mudança da normativa oficial do galego –de base castelhana– por uma que nos reintegrasse no sistema linguístico a que pertence a nossa língua. De um ponto de vista estritamente pedagógico os efeitos seriam incríveis.
Outro lugar-comum é afirmar que o português de Portugal e do Brasil é um reforço para o galego. Em que medida isto é certo?
Em geral, eu diria que o alunado galego deve ter como referência o português de Portugal. Embora na variante brasileira haja também formas muito próximas ao galego, a proximidade física e linguística com Portugal facilita imensamente a interacção com os falantes desta variante, motivo pelo qual me parece ser a apropriada para implementar em aula. Em qualquer caso, obviamente, o português –qualquer que seja a variante–, é um reforço para o galego a vários níveis. Por uma parte, do ponto de vista da consideração sociolinguística, porque o alunado se torna consciente da importância da língua própria para a comunicação nesses países, ao comprovar que, quando o conhecimento do português não for suficiente, o galego fornecer-lhe-á recursos comunicativos. E daí, precisamente, que, quando estou a trabalhar com alunado castelhano-falante, sempre tente, inicialmente, o contacto com o galego como ponto de partida. Por outra parte, do ponto de vista linguístico, o português acaba por contribuir para o enriquecimento do seu galego, tornando-o muito mais auténtico, ao permitir-lhe recuperar formas perdidas devido à contaminação com o castelhano.
Como sabes, a ILP Valentín Paz Andrade para o aproveitamento da língua portuguesa e vínculos com a Lusofonia foca três áreas, sendo uma delas o ensino. Como pensas que se deveria implementar o conhecimento do português de Portugal e do Brasil no nosso sistema educativo?
Actualmente, não há mais centros que disponibilizem português como 2ª língua estrangeira por falta de vontade, de interesse ou mesmo de desconhecimento do próprio professorado, porque o procedimento para o fazermos é extremamente simples. Quanto à ILP, acho que pode ser um incentivo para chegarmos a assentar o português como 1ª língua estrangeira, como já se está a fazer em algum instituto, mas isso, no fundo, também depende da vontade e do compromisso do professorado. Mais em concreto, se falarmos de implementação nas aulas, sempre acreditei que os objectivos e os conteúdos da matéria, quer dizer, o conhecimento do português, não deveria restringir-se só à língua, independentemente da questão das variantes portuguesa e brasileira, mas abranger também a cultura. Nesse sentido, acho que convém não esquecermos que África também existe na Lusofonia e que os seus países têm ainda muito por dizer, especialmente na literatura, que, na minha opinião, é do melhor que se está a produzir agora mesmo.