Manuel César Vila: «A Administração galega conhece a potencialidade da nossa língua, mas não a promove. Estão-nos escondendo outra realidade»
«Muitas outras pessoas e muitas outras sociedades desejariam falar uma língua de âmbito internacional, de falar duas línguas de âmbito internacional e usufruir o que isto implica»
Sexta, 08 Novembro 2013 00:00

Valentim R. Fagim - Manuel César Vila é o coordenador do livro coletivo Falar a Ganhar. O valor do Galego, editado pola Através, chancela editorial da AGAL. Conversamos com ele para que nos falasse do seu projeto editorial, as suas visões e as suas esperanças.
Há vários tipos de discursos em volta da nossa língua na Galiza. O título do livro é uma bateria de intenções: Falar a Ganhar. O valor do galego. A quem pode chegar este tipo de discurso? A quem queres chegar tu?
Antes de responder estas duas perguntas quero dizer que o título mais que intenções faz referência a factos reais, como pode ser constatado através dos conteúdos do livro, sobretudo no que diz respeito ao capítulo das experiências pessoais. Hoje falar galego constitui uma vantagem comparativa no mercado laboral e profissional, para além de outros muitos âmbitos. Dito isto, o discurso deve chegar a toda a sociedade galega. Todos temos muito a ganhar independentemente da nossa situação no mercado de trabalho. Nestes momentos, o povo galego fica de costas a uma realidade que atinge os cinco continentes e mais de 250 milhões de falantes. Grande parte dos moradores na Galiza não tem consciência deste facto.
Se focamos a atenção nos aspectos económicos, o conhecimento de línguas internacionais implica uma vantagem comparativa para pessoas e empresas, acho que qualquer um pode entender esta questão. Não quero estender-me muito mais, mas o capital humano para além de qualificações sobre determinado ramo do saber, também está constituído pelo conhecimento de línguas de âmbito mundial.
Quanto a última das perguntas eu gostaria de chegar à sociedade galega no seu conjunto, mas sou consciente das limitações do projeto, que a TVG não vai dedicar nenhum minuto ao mesmo e por ai, não e? Seja como for, a nossa intenção é chegar sobretudo à sociedade galega mais dinâmica, a mocidade, ao sector empresarial, ao mundo da cultura e das artes, à universidade, aos liceus, as escolas de línguas, etc. Para bem ou para mal, devemos ter claro que nestes momentos estamos competindo num mercado global e a nossa vantagem comparativa mais importante é a língua galega.
É um livro sisudo de profundas análises económicas?
Como já disse e escrevi noutras ocasiões, não se trata de um livro académico e pesado. Algum dos relatórios com que principia o livro pode recolher dados estatísticos e reflexões de carácter económico, mas qualquer pessoa sem conhecimentos das ciências económicas vai entender. De resto, a maioria dos conteúdos do livro tratam mais sobre aspetos pessoais que sobre aspetos estritamente económicos, ainda que essas experiências pessoais tenham uma tradução económica ora no momento de encontrar um emprego e ascender profissionalmente, ora quando vão ser realizados negócios a nível internacional, ora para exportar a nossa música e os nossos produtos culturais e artísticos.
No texto que escrevi para o jornal da AGAL do dia 25 de Julho indicava que se tratava de um livro cheio de vida, onde são recolhidas experiências e factos de pessoas, de empresas e de países em relacionamento com a língua galega.
Um dos pontos fortes do livro é a sua polifonia. Que critérios se seguiram para escolher as vozes que aparecem nele?
Salientar antes de mais a limitação de espaço que implica editar um livro de leitura fácil para a maioria do pessoal, neste caso, em relacionamento com o tamanho do mesmo. Isso faz deixar fora do projeto muitas pessoas, para além das que poderiam fazer parte do mesmo, mas nesta altura não temos qualquer conhecimento delas.
Logicamente, ficaram fora pessoas das que tínhamos conhecimento e com achegas interessantíssimas sobre a questão, mas que ao final e por diversos motivos, revelou-se impossível contar com a sua colaboração.
As pessoas que participam dão cobertura a uma diversidade de atividades e de âmbitos que transmitem uma visão aberta da nossa língua. Do livro faz parte pessoal do mundo da empresa, da política, da música, da cultura, da universidade, das novas tecnologias, etc. Para além disto, também quisemos abranger uma pluralidade geográfica, de tal maneira, que no livro aparecem vivências de pessoas na Galiza, em Portugal, no Brasil, em Moçambique...
O livro está formado por relatórios, entrevistas e experiências pessoais. Por quê cada uma delas?
Isto está em relacionamento com o anterior, ao tratar-se de um projeto polifónico e diverso era também necessário refletir essa diversidade através de diferentes formatos, escolhendo o mais adequado segundo os factos que se queriam transmitir. Achamos bom que algumas pessoas escreveram sobre esta questão utilizando a reflexão pessoal, enquanto que outras responderam questões concretas, focando a atenção em determinados aspetos do seu relacionamento com o galego. Um terceiro formato é o das experiências pessoais narradas em primeira pessoa e de uma maneira breve. O último formato, mas por isso de igual importância, é o dos desenhos do Xico Paradelo, oásis na leitura e presentes para pôr a funcionar o nosso cérebro.
“Ser galega/o foi bom profissionalmente porque...”. A maioria das pessoas que passaram polo sistema educativo pode parecer estranho ligar “galego” com “melhora profissional”. Continua-se a esconder a nossa riqueza?
Pois. Se o galego fica reduzido ao território administrativo da Galiza autonómica e umas poucas zonas mais do Estado espanhol, e além disto analisamos a situação do mesmo na sociedade galega, torna-se evidente que nos estão escondendo outra realidade. Na introdução do livro vão trechos de textos oficiais da Secretaría Xeral de Política Lingüística. A Administração galega conhece essa potencialidade da nossa língua, mas não promove qualquer medida que disponibilize uma assunção desta vantagem competitiva pela sociedade galega. Vendem ao mundo empresarial galego as bondades da nossa língua para competir no mercado global e a importância de economias como o Brasil e Angola, fundamentalmente, mas este discurso não é concretizado no sistema educativo galego ou nos meios de comunicação de titularidade pública.
Por tudo isto, as experiências pessoais recolhidas no livro, que principiam com essa frase da pergunta, têm com uma grande carga pedagógica, ao contar-nos historias de pessoas de diferentes âmbitos profissionais e em diferentes países que tiraram proveito do facto de falar galego.
Na série de entrevistas tem um peso importante as e os profissionais do mundo da música. Por que?
Porque é um mundo que tem muito claro a utilidade internacional do galego. A questão da oralidade dá uma liberdade que infelizmente não tem a escrita. Para além disso, costuma tratar-se de pessoal com a mente aberta, que viaja, que conhece outro pessoal, que não tem preconceitos, que tenta encontrar os pontos em comum, e tudo isto dá no mesmo: o galego é internacional.
A ILP Valentín Paz-Andrade parece que tem aberto um bocado de luz. Quem ganha com a sua implementação?
Voltamos ao começo, à sociedade galega. Que desde a escola tenhamos claro que falamos uma língua internacional, oficial em países pertencentes aos cinco continentes e com mais de 250 milhões de utentes, que possamos apanhar, ver e ouvir as televisões e as rádios portuguesas e que Galiza tenha presença nas organizações internacionais da lusofonia traduz-se num ganho para todos nós. Muitas outras pessoas e muitas outras sociedades desejariam falar uma língua de âmbito internacional, de falar duas línguas de âmbito internacional e usufruir o que isto implica. Desta maneira, o que faria a ILP seria dar os primeiros passos para somar à vantagem competitiva que nestes momentos temos com o castelhano, a vantagem competitiva do galego. Tudo o que se invista nisto vai ter uns rendimentos garantidos e não apenas económicos.
+ Ligações relacionadas: