Beatriz Fernández, professora de galego: «No português há mais amigos verdadeiros do que falsos»

«Os alunos e alunas aginha percebem que por trás de 'irmão', 'coelho', 'cócegas'...  estão as palavras que usam cada dia»

Quarta, 11 Abril 2012 07:58

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Cartaz das jornadas de Masside

Noemi Nogueiras - Beatriz Fernández é professora de língua galega no CIP Terras de Masside, de cuja Equipa de Normalização Linguística é parte. Neste centro estão a organizar desde março atividades voltadas para a Lusofonia como um concerto, Cacimbo, OPS, projeções de filmes, exposições... a maior parte das quais decorrem nesta semana, de 10 a 17 de abril.

Graças à conversa com Beatriz Fernández pudemos conhecer mais acerca das motivações para a realização destas jornadas, bem como a presença da língua portuguesa nos conteúdos curriculares da Galiza ou as reações de alunos e alunas quando tomam contacto com o português falado noutros países.

Noemi Nogueiras: Por que decidiram fazer as Jornadas?

Beatriz Fernández: Porque o currículo atual não permite que os nossos alunos e alunas se aproximem do português como deveriam, está afastado dos programas de estudo. Apenas se trata nalgum curso, e de maneira muito superficial, numa pequena secção dalgum outro tema. Desse modo, os alunos e alunas ficam com a ideia de o galego e o português serem parecidos nalgo, sem aprofundar nunca nas causas (e consequências) de que nos possamos entender perfeitamente.

Às vezes, o tratamento nos livros de texto é tão absurdo que o pouco que tratam o tema é para mostrar as diferenças entre o português (normalmente, o continental padrão) e o galego (que se usa nesse livro de texto). Evidentemente, isto implica estritamente tratar a questão gráfica e os falsos amigos. Em pouco tempo, se for bem explicado, os alunos e alunas percebem que por trás de irmão, coelho, cócegas [em lugar de 'irmán', 'coello', 'cóxegas']... estão as palavras que eles e elas usam cada dia. E que no português há mais amigos verdadeiros do que falsos. É claro que isso depende da vontade da professora ou professor, de se quisermos insistir naquilo que dizem que nos separa ou aprofundar no que nos une.

Por que fazemos as jornadas? Para que estas questões se possam tratar com tempo e com a vivência da realidade. Não é o mesmo que eu explique na sala de aulas as relações entre o português e o galego de maneira teórica a que possamos falar com Aline Frazão, Fred Martins, ler literatura em português, ver filmes...

Fazer as jornadas também nos permite alargar essa vivência fora dos alunos e alunas (professores, famílias, o meios mais próximo do centro). Poucas vezes vi professores (fora da área de galego) que fossem resolver dúvidas ao português, nunca encontrei dicionários temáticos em português de disciplinas que se lecionam nas nossas aulas (Biologia, Tecnologia...). Também vejo pouca literatura em português nas bibliotecas, filmes para tutoria... Infelizmente, estou a ver estes materiais em inglês...

NN: Que esperas das jornadas?

BF: Achegamento, curiosidade, reflexão, aprofundar no que nos une, nas vantagens que os alunos e alunas galegos e galegas têm a respeito do castelhano-falante. Experimentarem por eles próprios que a comunicação é possível, sem teorias.

NN: Como reagem os alunos/as perante outros sotaques do galego?

BF: De início, costumam dizer que não são capazes de entender. Só os primeiros minutos. Nas minhas aulas de galego tenho pasado filmes ou documentários em português, e à segunda vez que o fazes já te dizem que não faz falta que pares o filme para lhes explicar nada, que não são tão parvos e que perdem o fio da história...

NN: Sentes que a Lusofonia é um reforço para o galego?

BF: Esta deve de ser uma pergunta retórica... A Lusofonia é um espaço enorme de reafirmação de nós mesmos, por isso há tanto medo a que a descubramos.

O éxito do Se eu te pego deste ano serviu para que alguns/algumas percebessem como, infelizmente, o castelhano é uma língua que lhes influi máis do que pensavam. Não foram poucos/as quem tentavam entender a letra com o significado do pego castelhano... Quando isto acontece em estudantes galego-falantes será porque até os e as que acreditam que falam galego, falam cada vez menos. Depois estão quem falam castelhano, que cada vez são mais e mais. Percebe-se neste centro tão pequeno...

Imaginas que se passaria se a gente soubesse que a sua língua se usa em todo o mundo? Que há traduções dos clássicos, estreias de filmes, sisudos estudos de todo tipo, glossários enormes de termos, músicas de todo o mundo em galego? Isso é o poder da Lusofonia.

NN: Pensas que se deveriam incluir unidades didáticas de português e Lusofonia no currículo de Galego? ou melhor como língua estrangeira?

BF: Língua estrangeira é o inglês, muito estrangeira. Resulta que essa língua tão estrangeira é a que agora nos querem meter no ensino como se fosse própria. É muito importante a língua e o nome que se dá às cousas. A língua é um modo de ordenar o pensamento e de entender a realidade. Se o nome desaparece, a realidade que nomeia pode eluir até desaparecer.

Alguém acredita de verdade essa história de que é melhor para as nossas filhas e filhos estudar tecnologia em inglês? Será melhor se queremos que não saibam que a madeira que usam na oficina é de buxo... O que estão a fazer com o inglês no ensino é uma ingerência intolerável, é colonialismo.

O português não é como o ingles, não é uma língua estrangeira. O triste é que nem sequer os que acreditam que o é, uma língua estrangeira, pensam em que fomentar o plurilinguismo seja também fomentar o português. Por quê?

NN: Qual a receção dos professores a este tipo de atividades?

BF: Pouco a pouco. Há que continuar insistindo.

NN: E das famílias?

BF: Quando oferecemos atividades para as famílias o resultado sempre é muito satisfatório. A resposta não é massiva, mas nem em todas as atividades o têm que ser. As equipas de normalização não deviam esquecer-se das famílias, podem ser as melhores aliadas para avançar no trabalho.

NN: Na comarca do Carvalhinho juntam-se as equipas de normalização dos centros para organizar atividades. O que fazeis exatamente?

BF: Juntamo-nos algumas vezes durante o curso e procuramos organizar atividades conjuntas por várias razões. Uma delas é optimizar recursos: um centro só nunca poderia organizar um concerto como o que tivemos. Outra razão é a incidência das atividades: não é o mesmo pedir para os alunos e alunas fizerem um cartaz para colar no seu centro a que saberem que depois pode ser colado em qualquer negócio da comarca. Também está a troca de ideias, experiências. Trabalhar em equipa facilita as cousas num tempo em que estão cada vez mais difíceis.

NN: Qual é o segredo para que funcione a equipa de normalização dum centro?

BF: As equipas de normalização devem estar constituídas só por aquelas pessoas que realmente tenham interesse no que estão a fazer, portanto deviam ser pessoas com um objetivo comum claro... serem afins ajuda muito. Depois está o apoio do resto do professorado, alunos, da equipa diretiva... Se a isto somamos o apoio das instituições que deviam colaborar e não entorpecer o trabalho...

Como imaginarás, é impossível que todos estes fatores se conjuguem, assim que, basicamente, cumpre aproveitar quando alguma destas circunstâncias se dá; muito, muito trabalho e insistir e insistir. Colaborar com outras equipas facilita-o muito.

 

 

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