«As secções bilingues de português envolvem a promoção da nossa língua»

«Se fizessem na Suíça e a Alemanha uma secção bilingue de espanhol teriam os mesmos preconceitos que existem aqui com o português»

Segunda, 06 Junho 2011 00:00

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Chus Méndez (esquerda) e Pilar Barros (direita)

Valentim R. Fagim - Estivemos no IES 12 de Outubro para conversar com Pilar Barros e com Chus Méndez. Pilar é professora de Micro-Pigmentação e Chus é professora de Língua Portuguesa. Este é o único centro escolar da Galiza com uma secção bilingue em português, um modelo que se poderia exportar a outros centros.

Valentim R. Fagim: O que é uma secção bilingue?

Pilar Barros: Uma secção bilingue consiste em lecionar uma matéria escolar numa língua estrangeira: material , explicações...  apoiada em maior ou menor medida na língua própria do docente.

VRF: Que línguas podem ser usadas numa secção bilingue?

Chus Méndez: Qualquer língua da Comunidade Europeia sempre que houver os recursos para a lecionar. Atualmente na Galiza existem secções bilingues em inglês, francês e a nossa em português. Além do nosso centro, chegou a haver uma em Ginzo.

VRF: Qual o papel dos alunos neste processo?

PB: Primeiro têm que aceitar os alunos e chegar ao limite mínimo de inscritos (no caso 10 alunos) e os pais têm que dar igualmente o visto, sobretudo no caso dos alunos do ESO.

VRF: Como foi o processo para as alunas do IES 12 de outubro escolherem a secção bilingue em português?

PB: O caso das secções bilingues de português não têm a mesma natureza que as do inglês. As de português envolvem a promoção da nossa língua. Portanto, as dificuldades são maiores. Os objetivos são mais amplos porque envolve a nossa realidade sociolinguística bem como as dificuldades.

VRF: Pode-se afirmar que os preconceitos sobre o galego deslocam-se para o português?

CM: Pelo pouco que conhecem de Portugal, no caso dos operários que moram em Ourense e trabalham em setores pouco valorizados socialmente, ou a situação económica de Portugal, os preconceitos são maiores. Em geral há um desconhecimento muito grande de Portugal e do português.

VRF: Não há uma ligação entre o português com o Brasil?

CM: Fica-lhes muito longe e o que conhecem não é a potência mundial que está a crescer mas as famílias brasileiras residentes em Ourense e que costumam ter uma situação económica precária.

PB: Se fizessem na Suíça e a Alemanha uma secção bilingue de espanhol teriam os mesmos preconceitos que existem aqui com o português pola natureza social e económica dos emigrantes espanhóis naqueles países.

VRF: Voltando ao processo...

PB: A matéria que eu dou, Micro-Pigmentação, é uma cadeira que seduz: tatuagens, estética... É muito atrativa para as alunas. Este mundo da estética pertence a uma elite e se fores a um salão de estética é improvável que te recebam em galego.

CM: E a micro-pigmentação é proibitiva em termos económicos com sessões de 300 euros. Não é só tatuagens, também fazer uns lábios, piercings, fazer a marcação das sobrancelhas... e com pessoas com certos defeitos físicos consegue ocultá-los como no caso do cabelo.

PB: Quando eu coloquei às alunas a hipótese de dar as aulas em português houve alguma que ficou reticente. Eu expliquei-lhes que iam aprender uma língua nova, ia constar no CV e poderiam optar facilmente a um B1, que é o nível que exigem na universidade para tirar um título. Isso foi o que lhes pareceu atrativo. Não só, teriam preferência para ir estudar a um país de expressão portuguesa.

VRF: Ficaram satisfeitas com a experiência?

PB: Ficaram, de facto a viagem escolar foi feita à Madeira. Ora, ficaram dececionadas porque elas queriam falar em português e nos âmbitos mais turísticos queriam comunicar com elas em castelhano. Elas diziam: não se entende isto, nós queremos falar português e eles querem fazê-lo em castelhano (risos).

CM: Um outro atrativo foi a possibilidade de fazer os estágios fora do país (têm entre 18 e 23 anos), no caso, na Póvoa do Varzim, com estadia gratuita e com condições melhores que a que lhe ofereciam aqui as empresas.

VRF: Que têm comentado elas a respeito da sua experiência?

PB: Mudaram-lhe os preconceitos, foram para menos. Descobriram onde nasceu o português, conheceram as culturas dos países que se expressam em português.

CM: Na viagem à Madeira a onde também assistiram os meus alunos, ficaram mui satisfeitas e a melhora linguística foi significativa ainda que não se lançassem muito a falar mas na aula seguinte faziam esforços por imitar os sotaques.

Havia aspetos que quando começaram as aulas, chamavam-lhes muito a atenção, mesmo com uma atitude preconceituosa. Já nesta altura do ano, o diferente normalizou-se e foi assimilando-se.

VRF: Como se apresenta o futuro?

PB: Eu reformo-me e vou ter que deixá-lo mas vai ter continuidade com outra professora. É pena porque levo 24 anos no instituto e é muito agradável dar a adultos. O maior conflito, de facto, é que querem uma melhor qualificação.

CM: A matéria de Pilar tem muito sucesso tanto dentro como fora e, de facto, é quase toda prática.

PB: O próximo ano haverá com certeza outra secção bilingue e terá sete horas semanais, existindo a hipótese de dar um novo módulo.

VRF: Recomendarias a outros docentes criar secções bilingues em português? É um reforço para o galego?

PB: Com certeza, é mais fácil que qualquer outro idioma da Comunidade Europeia.

CM: Os alunos vem a conexão linguística entre o galego e o português.

VRF: As alunas falam em português?

PB: Elas pediam para falar em português. Por exemplo, eu pedia umas tixeiras e elas perguntavam, como se diz em português? Eu respondia: tesouras. Pois então tesouras, frisavam elas. Elas perguntavam constantemente a respeito do material que usávamos. Inclusive a aluna mais reticente no início afinal era a mais interessada.

CM: Das oito alunas, cinco era castelhano-falantes e três galego-falantes.

PB: O facto de me envolver com elas, de ser carinhosa, facilita muito as coisas.