Xavier Queipo e Carlos Quiroga apresentaram em Bruxelas 'O crânio de Castelao'
As exposições dos escritores galegos foram seguidas duma conversa, entre todos assistentes, acerca da literatura galega, da globalização e a Lusofonia
Terça, 15 Outubro 2013 00:00

Vítor Meirinho - No passado sábado 28 de setembro decorreu na livraria Orfeu, em Bruxelas, a apresentação d'O crânio de Castelao, romance de autoria coletiva. Após a apresentação de boas-vindas por Joaquim Pinto da Silva —proprietário da livraria— falaram dous dos partícipes da obra, os galegos Xavier Queipo e Carlos Quiroga.
Quiroga, a quem coube a tarefa de coordenar os autores de vários continentes, repassou as circunstâncias em que foi concebido o livro e a sua longa gestação. A concepção da obra nasceu do convívio, em Santiago de Compostela, entre escritores lusófonos de vários países no contexto das jornadas culturais batizadas como Latim em pó, que se celebraram em 2000. Foi como fruto deste convívio que os escritores Antón Lopo, Suso de Toro, Luís Cardoso, Bernardo Ajzenberg, Xurxo Souto, Quico Cadaval, Germano Almeida, Possidónio Cachapa, Miguel Miranda e os próprios Carlos Quiroga e Xavier Queipo resolveram dar forma a este romance coletivo, de singular argumento. A original história narra o desaparecimento da parte mais venerável da ossamenta de Afonso R. Castelao, isto é, a sua caveira, retirada de incógnito —provavelmente com intenções mais pecuniárias do que devotas— do seu «relicário» em Bonaval. A esta tragédia inicial seguem-se peripécias várias cuja complicação é acrescentada pela variedade dos teclados que escreveram a obra, os quais de forma apenas um pouco menos acidentada do que na história de fição conseguiram, uma década depois de se encontrarem em Compostela, dar ao prelo a edição d'O crânio de Castelao.
O desenlace da trama, logicamente, não foi desvelado por nenhum dos intervientes na apresentação bruxelense. Porém, sim foram relatadas algumas das circunstâncias da produção do romance. Assim, Carlos Quiroga e Xavier Queipo referiram-se à influência dos estilos e interesses diversos de cada uma das pessoas que participaram na redação; diversidade que fez com que a narrativa fosse por caminhos imprevistos, rupturas abruptas e surpresas chocantes —alguma talvez «sacrílega» até—. A entrar mais no terreno da sociologia literária, Carlos Quiroga expôs as dificuldades de levar a bom termo um escrito como este, feito em português e concebido desde a Galiza, e explicou o processo de formação do romance, desde o encontro do Latim em pó, a detenção provisória desse processo e como finalmente se decidiu dar o impulso final e retomar fios e trabalhos interrompidos pela distância. Por sua parte, Xavier Queipo tratou sobre o género do romance colaborativo e de como a parceria literária, ideia só aparentemente moderna, tem antecedentes no âmbito lusófono. O particular potencial tecnológico, característico da posmodernidade, para comunicarmo-nos imediatamente desde qualquer distância provoca porém uma singularidade neste tipo de projetos: se há três ou quatro décadas o romance colaborativo tinha por força de dar-se entre autores que se conheciam pessoalmente ou que inclusive faziam parte de um grupo compacto em termos de preocupações intelectuais, a facilidade na comunicação impessoal no século XXI faz com que o grupo de autores seja mais heterogéneo.
As exposições dos escritores galegos foram seguidas duma conversa, entre todos assistentes, acerca da literatura galega, da globalização e a Lusofonia e das relações culturais entre os países lusófonos, especialmente entre a Galiza e Portugal. Um ponto em que todos concordaram foi a importância de que na literatura se mantenham e se difundam as diversas vozes e forma de expressão das pluralidades autóctones da lusofonia: galegos, brasileiros, angolanos… e todos os países de língua galego-portuguesa. Este propósito pode estar em contradição com as tendências unificadoras da globalização, mas também se pode aproveitar dos meios que ela oferece. Carlos Quiroga citou, a modo de exemplo, a sua «rebelião» pessoal contra o imperativo tácito de escrever, quando a obra se destina a um mercado mundial, numa forma de expressão (mal chamada) «neutra», e defendeu a sua preferência por incluir formas galegas, que não prejudicam a compreensão e enriquecem a experiência do leitor.
Tratando-se da apresentação dum livro em português concebido na Galiza e havendo um público diverso, boa parte das questões concerniam o reintegracionismo. Especificamente, perguntou-se e debateu-se a respeito da representatividade histórica do reintegracionismo dentro do galeguismo. Neste ponto não houve concordância, pois por uma parte alguns intervientes insistiram em que a proximidade linguística e cultural entre a Galiza e Portugal constituiu não apenas uma parte fundamental do ideário do galeguismo na sua fundação, como inclusive o principal motivo, em vários pensadores galeguistas, para pensarem que a Galiza era uma nação. Porém, outras pessoas no debate sinalaram a frequente falta de realização prática deste ideário lusista. Por último, como não podia ser menos, a ocasião foi aproveitada para introduzir os assistentes portugueses à personalidade, obra e vida política de Castelao, protagonista de corpo semipresente no romance.