A Galiza de amanhã

Segunda, 23 Dezembro 2013 11:50

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Xosé C. Morell - Pouco conscientes somos ainda de que a Galiza, o seu idioma e a sua cultura tiveram um digníssimo passado de séculos. Foi a primeira nação da Europa e configurou um Reino do que procede uma divisão administrativa que chega aos nossos dias, e uma língua que se estendeu por todo o planeta. A nossa Terra e a nossa História legou-nos umas possibilidades imensas que desde a instauração do Estado moderno não foram desenvolvidas, mas ao invés.

A historiografia nacionalista foca no facto de ser a Coroa de Castela o núcleo do Estado moderno, desde o século XV, a causa do não desenvolvimento das potencialidades da Galiza, do que se infere a conveniência dum Estado próprio, ou quanto menos, de conseguir a maior parte de Estado possível, o qual se tem assimilado à prioridade de governarem forças nacionalistas.

Sem embargo, em todo o tempo transcorrido desde a ré-instauração da monarquia parlamentar a hoje não se tem consolidado um espaço eleitoral que aloje uma maioria social que dê sustento a estas forças políticas. Doutro lado, a cultura e a língua institucionalizadas polo Estado carecem da vitalidade e impulso suficientes para criarem um circulo virtuoso que ponha em andamento as potencialidades escondidas do país.

Aliás, após tantos intentos e fórmulas falidas, deve ser tempo de pensar na possibilidade de que o caminho para desenvolver as potencialidades da Galiza não seja culpabilizar Castela e aspirar ao máximo Estado possível, mas o contrário. É difícil sem duvida, mas necessário: o Estado é uma instituição que já hoje pertence ao passado, não ao futuro.

Na própria perspectiva de Habermas, que considera o Estado-Nação como única organização social imaginável, vê um êxito histórico no facto de este se sobrepor ao que chama "formações políticas mais antigas". Mas ao assinalar -seguindo Hegel- que estas "sociedades pré-modernas" ao alcançarem a sua maturidade foram condenadas à decadência, tem de admitir que a marcha vitoriosa do Estado-Nação tem também alcançado a sua maturidade, e porém o destino que lhe aguarda...

Na Galiza "moderna" Ramom Pinheiro, seguidor da mesma filosofia totalizadora alemã, especialmente Hegel e Heidegger, foi quem pus em prática a aspiração da Galiza ao "maior Estado possível" dentro das circunstancias resultantes da evolução do franquismo. Pinheiro, fascinado pola burguesia nacionalista de Catalunha, sonhou com um Estado galego, com os seus processos inerentes de acumulação de capital e competitividade empresarial, levada a cabo por uma burguesia urbana que se estava a impor na Galiza, e à que havia que fazer atractivo o idioma galego mediante a assimilação deste com o castelhano.

Há que dizer que, em contraste, um seu companheiro de geração, Jaime Ilha, partia duma visão mais humanista e via a economia galega fundamentada na sociedade tradicional, cooperativa e compartilhada. Esta visão desenvolvida na Revista de Economía da Galiza (1958-1968), que foi herdeira do melhor pensamento económico e político do galeguismo histórico foi desbotada com a dissolução do Partido Popular Galego (1979) e a profissionalização da política galega e espanhola.

Aceitou Pinheiro, com uma lógica "republicana" (no sentido que lhe dá Habermas), a fusão do que podíamos chamar lealdades antigas da nação histórica numa nova consciência nacional de toda Espanha e supostamente confederal. Mas o que em realidade aconteceu a partir daquele momento foi uma demolição calculada por parte do artefacto do Estado da sociedade tradicional e não capitalista galega, única capaz de vitalizar a cultura desde o seu próprio chão nutrício, e porém de sobreviver enquanto humanizada na sociedade post-capitalista que nos aguarda.

A cultura galega passou de ser criação viva, a converter-se num status de direitos, e que portanto deve assumir necessariamente o patriotismo constitucional do Estado. Deste jeito, a intelectualidade galega especializou-se na disciplina do berro e a protesta. O onanismo das redes sociais e os curtes orçamentais intensificam a especialização, com procissão incluída todos os Dias das Letras Galegas.

Com efeito, o Estado-Nação teve grande êxito político na Galiza ao eliminar o que Habermas chama deveis alianças corporativas das sociedades pre-modernas e rurais, e substitui-las por uma coesão virtual de cidadãos urbanizados, canalizada mediante os mass media. O "patriotismo constitucional" eliminou uma interpretação da coesão etnocéntrIca e porém naturalista, e portanto eliminou todos os "riscos" associados.

O republicanismo pinheirista desfez e evitou a modernização e institucionalização das sociedades tradicionais galegas, é dizer, evitou que recuperassem aquela força integradora que configurara as comunidades naturais: paróquias e comarcas. Estas são tachadas como de antiguidades e "pré-políticas". A única política que tem carta de legitimidade para o Estado é a que se exerce nas suas instituições; e o único povo é o que se manifesta nelas. Um povo constituído por via natural não contaria para o republicanismo com a opinião dos cidadãos, polo que não pode nunca denominar-se como tal numa perspectiva moderna. A contradição é evidente: as comunidades e nações naturais são negadas em ordem a constituir um patriotismo constitucional liberal, mas este dá passo a única Nação-Estado indiscutível e sagrada: a espanhola.

Mas neste momento que alcançamos, ao chegar o Estado liberal à maturidade histórica da que falava Habermas, este vê-se em perigo fronte à pulsão totalitária e os novos populismos. O Estado faz águas por todos os lados e o barco afunde, mas a reacção é defensiva: tratar-se-ia duma pequena via de água, que temos que acudir todos os democratas a tapar.

Como expusera o rebelde-pop Zizek no seu livro "Living in the end of times" (2010), hoje em dia, pedem-nos para escolher: ou democracia (democracia liberal parlamentar) ou fundamentalismo. Esta escolha faz-se acompanhar por outra escolha que transmite a tensão inerente entre o capitalismo e o seu próprio excesso. Com efeito, é sempre o mesmo modelo: a fim de esmagar o seu verdadeiro inimigo, o capitalismo mobiliza o seu excesso obsceno sob a forma do fascismo; mais tarde, sob a forma do comunismo; agora, sob a forma do fundamentalismo e do terrorismo. Na verdade, a guerra é sempre e apenas uma luta interna, no seio do universo capitalista.

A verdadeira escolha situa-se entre o capitalismo e a sua inevitável superação, imaginada apenas, neste momento, no único mundo possível do Estado, por correntes marginais como o movimento antiglobalização, ou o 15-M, mas por fortuna com melhores propostas na Galiza.

No PT, as nossas propostas próprias de superação do Estado baseiam-se no pensamento galego histórico mais enraizado para intuir que tanto na fortaleça da nossa sociedade tradicional como nas contradições do sistema que está a cair há muitas respostas às perguntas que todos e todas nos fazemos.

Um projecto portanto que não é anti-sistema, mas o que faz é constatar que o sistema não funciona: não lutamos pola queda do capitalismo, pois este já está a cair ele sozinho. O que fazemos é preparar à nossa terra, cada um a sua, para um dia de amanhã que sabemos com certeza que não será como a que conhecemos hoje.

Sabemos pola nossa sociedade tradicional e polo legado do galeguismo histórico que o trabalho competitivo não nos humaniza como seres livres, enquanto nos reduz a "homo faber", mas é no trabalho cooperativo, aquele que compartilhamos com os nossos vizinhos e vizinhas, no que sai o melhor de nós e da comunidade.

Portanto, consideramos a política não formando parte dum sistema competitivo e de trabalho assalariado, pois a política é uma actividade que não só pré-existe ao Estado e ao sistema capitalista, como qualquer historiador objectivo sabe, mas que ainda deve ser universalizada e humanizada por completo, pois faz referencia à dimensão mais humana que temos, como a família, os afectos...

O conceito de trabalho está hoje a evoluir cara a modelos antagónicos de trabalho livre e cooperativo dum lado; e de trabalho escravo e competitivo doutro. Neste momento histórico ainda não é possível nem exigível que cada um e cada uma de nós leve ao 100% o ideal de trabalho livre à sua vida pessoal duma maneira "visionária". Não sabemos apenas como será o mundo nos próximos dez anos... Mas sabemos que essa sociedade tradicional que se deu por morta contem muitos elementos e potencialidades para o amanhã. Desde as economias mistas aos concelhos abertos.

Por isso, uma parte imprescindível da superação do Estado, é a desprofissionalização da política: o "trabalho" de representar é trabalho, mas deve ser "trabalho livre", ou "trabalho liberado" enquanto comporta uma actividade muito importante, mas que fazemos sem dependência económica (para além das próprias despesas que causar e devem ser compensadas) como podem ser as tarefas domésticas, ou as que fazemos por solidariedade, convicção cívica, etc.

Representar não deve ser "trabalho assalariado" enquanto não deve comportar entrega obrigada de tempo ante outros ou assunção de responsabilidades que lhes correspondem a todas as pessoas que formam as comunidades. Nem sequer comporta uma preparação técnica, pois esta deve ser fornecida também pola própria comunidade e se for necessário por profissionais.

Isto é realmente dignificar o trabalho político. Ponhamos outro exemplo: o trabalho das pessoas que são parlamentares não só consiste em se deslocarem para pulsarem um botão e votar. Também devem como parte do seu trabalho procurar acordos entre elas. E se não há acordos, o trabalho está mal feito. O "rodilho" não é democracia. Mas hoje chegar a acordos é algo excepcional, pois estas pessoas não fazem no Parlamento nem entre quem as elegeu o "trabalho livre" de falar, explicar ou transmitir por quê algo é conveniente ainda que possa parecer que não. Ao contrário, o que fazem é radicalizar as posições para se assegurarem o controlo interno e o poder do partido e porém o seu posto de trabalho. Satisfazem ao seu mercado eleitoral e as suas cúpulas. Uma altitude construtiva seria penalizada também eleitoralmente.

A política profissional actual nem é trabalho cooperativo, nem pode ser. É trabalho competitivo. Esta é também a razão de as coaligações não funcionarem: obrigatoriamente devem competir entre si, cada uma defender a sua quota de mercado eleitoral. Os consensos são um milagre no actual sistema, e as minorias não são respeitadas.

A política tal e como a entendemos nós é justo o contrário: é cooperação e procura de acordos, por isso é urgente tirar a actividade política da concorrência e transmitir uma mensagem completamente diferente. Ainda o modo de resolver conflitos em foros supra-nacionais feito como resultante de vectores de força não traz soluções definitivas nem reais, mas precários acordos que podem ser desfeitos em qualquer momento. Se formos capazes de procurar modelos de governança horizontais e de abaixo para acima, as instituições resultantes, as que criem e as que recuperem os nossos filhos e filhas, serão mais justas e estáveis que as actuais.