No dia da Galiza Mártir em Ponte Vedra (17 de agosto de 2013)
Quarta, 04 Setembro 2013 00:00
Por Xavier Vence (*)
"Tu és lume vivo, acessa chama,
rota irreversível de futuro;
potente trovão que berra e clama,
homem do povo, assovalhado e puro!"
(Manuel Maria)
Família de Bóveda e famílias dos demais mártires do 36
Alcaide da Boa Vila
Companheiros e Companheiras, Amigos e Amigas
No dia de hoje, como vimos fazendo desde 1942 lá onde podemos, juntamo-nos aqui os homens e mulheres democratas e patriotas, os que temos Memória, para rendermos merecida homenagem aos nossos mártires do 36. Ao companheiro Alexandre que caiu na Caeira atravessado polas balas assassinas dos fascistas tal dia como hoje. Com ele rendemos homenagem e memória aos mais de 5000 galegos e galegas, democratas, republicanos, nacionalistas que caíram assassinados naqueles meses e anos vítimas da barbárie fascista e espanholista.
Todos eles e elas foram heróis que deram a sua vida nessa luta eterna contra a opressão, pola liberdade e pola justiça.
Rendemos homenagem tamém aos que pegaram com os seus ossos no exílio, dos que alguns como Castelão, foram os artífices da reivindicação da sua memória, a começar por essa impressionante trilogia constituída polas estampas de Galiza Mártir, Atila na Galiza e Milicianos.
Além disso rendemos homenagem tamém aos miles de homens e mulheres que caíram presos, padeceram torturas e perseguição de por vida, mas conseguiram sobreviver aqui e dedicaram a sua vida a luta pola liberdade, pola justiça e pola dignidade: Do País e da gente.
Estamos aqui porque temos Memória, porque temos motivos para termos memória, porque temos pessoas como Alexandre que foram e são exemplo inspirador, fermento vivificante para construirmos um futuro diferente, com Galiza e o povo galego como eixo e norte das nossas vidas.
Temos que estar aqui também porque o espírito daqueles fascistas segue estando aí. A direita cavernícola e centralista segue estando aí. Quando escutamos ao animal do alcaide do PP no concelho de Baralha -haveria que dizer cavalo de bastos ou sota da bastos da baralha- bem sabemos que não é um verso solto, melhor dito, não é um carneiro solto. É o ego profundo da direita espanhola, tão bem representada no nosso país. Não é que a direita fascista volte agora, com o cavalo de bastos de Baralha à frente. Não, essa direita passa-lhe como ao dinossauro de Augusto Monterroso, sempre esteve aí, agachada. Quando não fica mais remédio dissimula mas levam a fera dentro.
Aí temos também o Presidente da Câmara municipal de Cedeira quem depois de erguer monólitos a Franco, agora cede de graça o albergue autárquico aos falangistas da OJE. Também aí estão as cessões de Feijó de residências de idosos ou escolas infantis a seitas católicas integristas e reacionárias; ou reforçando com recursos públicos os seus colégios privados, doutrinários e que mesmo segregam por sexo não cumprindo sentenças judiciais. Ou voltando meter o adoutrinamento sectário e espanholizador no currículo educativo, como pretende a ultra reacionaria lei Wert.
Aí estão as 21 licenças de rádio FM que a Junta de Feijó veem de outorgar o passado 14 de agosto à COPE, Intereconomía e Libertad Digital, e outro médio cento a empresas amigas do PP.
Jogam à democracia porque é o que toca, porém sabemos que os seus princípios rematam quando se põe em perigo o seu poder. Não há reparos em passarem por cima de quem estorvar e pisar nos inimigos. O caso é o poder, o caso é manterem os privilégios, o caso é que haja negócio para os seus, o caso é manterem a raia os que não se submeter à sua forma. Por isso não podemos baixar a guarda, amigos e amigas, temos que estar sempre alerta face à direita antidemocrática e espanholista. Por isso temos que saber que o que se passou com Bóveda, o que se passou em 1936, foi tão só a versão extrema de uma direita que está permanentemente parapeitada por trás do poder e disposta a sacar as garras sempre que cumpra.
Hoje o jeito é outro. A corrupção estrutural e sistemática é a nova forma de exercerem a dominação. Um golpe de estado permanente que sequestra a democracia. Isso vai além das corruptelas e salários extra dos mercenários servis, o pior dessa corrupção é o projeto que há por trás. O realmente grave é que com essa ferramenta a plutocracia centralista garante-se o controlo do orçamento público e do BOE. Da cobertura mediática já se encarregam eles diretamente.
Tanto tem o que o PP ou PSOE prometerem aos seus eleitores nas mascaradas das campanhas eleitorais. Já sabemos que ao dia seguinte governam e legislam para o lobby que maneja os fios.
Mentem, mentem com tal cinismo e obscenidade que um já não sabe se é pior a corrupção agachada ou a mentira evidente. Essa mentira que afirmam com obscenidade é uma humilhação para toda a cidadania. Está feita desde a convição de que, como dizia Michel Foucault, não existe verdade à margem do poder. Acreditam que podem impor a sua mentira como verdade. Mas, amigos e amigas, não o vamos permitir!!.
Esse lobby que está por trás de Bárcenas-Aznar-Rajoi-Feijó encarna um perigoso capitalismo de rapina mas também tem uma geografia. É o lobby madrileno, o palco do Bernabeu, que para melhor controlarem tudo, acabou impondo esse radical processo de re-centralização política, que é também centralização financeira e económica. São uma ameaça para o futuro do nosso país. Estão prestes de acabarem com o nosso sistema financeiro e estrangular nossa economia produtiva.
Amigos e amigas de Pontevedra, corrupção e centralismo é o que está por trás da interminável telenovela de ENCE. O PP dissimulou sempre que pôde mas nunca deixou de se submeter aos interesses da Celulose. Tão só se agacha por questão de oportunidade, para conquistarem o poder, logo o que faz é tirar a máscara e legislar desde Madrid para imporem os interesses da Celulose. O que não podem defender ante a gente, impõem-no desde a distância, parapeitados no BOE centralista. Mas não o vamos consentir, nem desde Madrid nem desde a Junta, entre todos e todas imos conquistar o ar para os cidadãos, para a saúde e a Ria para mariscar e o lazer.
Companheiras e Companheiros
Estamos aqui porque somos um povo com história, um nacionalismo com faróis como Bóveda e Castelão que nos seguem alumiando.
Sabemos que com os vimes da Memória podemos erguer a Pátria que queremos.
Não podemos esquecer nunca as palavras de Castelão em 1947 quando cruzava o Atlântico no Paquebote Campana para o seu exílio definitivo:
"Nos muitos cemitérios da Galiza, dormem os derradeiros mártires da Liberdade, em número incontável. A minha imaginação olhou uma fogueira em cada cemitério, como outros tantos clamores de justiça. Mas no de Pontevedra era uma labareda que chegava até o céu. Era o lume do esp'rito de Bóveda que não figura na Santa Companha dos imortais, porque não pertence a História se não à Tradição em arume de lenda. Bóveda terá de ser num amanhã próximo ou longínquo, a bandeira da nossa Redenção".
Palavras semelhantes lhe dedicou tamém no seu Alva de Glória e, com efeito, hoje Bóveda volta ser "bandeira da nossa redenção". Bóveda e Castelão são fachões que alumiam nosso caminho no meio das tribulações, como as que hoje parecem abalar as certidões de uma parte da família nacionalista .
Bóveda era coração e inteligencia dum projeto que revive a cada passo connosco, como mui bem dizia tamém Castelão nas páginas d'A Nosa Terra em 1942:
"Os que matarom Bóveda mataram uma Galiza cheia de luz, mas nós criaremos outra nova e então o mártir reviverá".
De facto, eu posso imaginar a Bóveda de passeata hoje sem pestanejar com Amália polos soportais da Ferraria e as ruas pedonais da Boa Vila, recuperada e primorosamente cuidada para os vizinhos e vizinhas polos camaradas Lores, Mosquera, Anjos, Carme, Raimundo, Bará, Guillerme e todos os outros mais.
Ainda posso entrever a Alexandre debatendo dos grandes problemas do país com Daniel Castelão ou com Valentim Paz Andrade e olho que tudo o que dizem vibra com uma surpreendente e berrante atualidade nos jornais dos nossos dias:
-A crise financeira do capitalismo liberal, naqueles anos 30 como hoje.
-A necessidade de Caixas e de Banca Pública, daquela o mesmo que hoje.
-A necessidade de uma fazenda galega para acabarmos com o espolio, daquela o mesmo que hoje.
-A necessidade de uma fiscalidade direta progressiva e não impostos indiretos injustos, daquela coma hoje.
-Da “separação da dívida pública, para que Galiza não tivesse que pagar a contraída em benefício de outros e muitas vezes com prejuízo nosso”, parece escrito hoje mesmo!
-Ou falar do centralismo carpetovetónico dos Lerroux-Gil Robles-Calvo Sotelo transmutados hoje em Rosa Díez, Aznar, Aguirre ou Rajoi, sempre nas mesmas!, daquela coma hoje
-Ou argumentar a necessidade de um estado galego, daquela coma hoje.
-Ou falar da necessidade da autoorganização política, das forças políticas próprias, da traição contínua dos autoproclamados federalistas, daquela coma hoje.
-Ou da necessária unidade dos nacionalistas, que com firmeza e altura de miras cultivou arreio e que também hoje compre recuperar.
-Ou cuidando até o detalhe da organização diária do partido para garantir uma presença nutrida em todo o país, em todas as comarcas. Daquela coma hoje, companheiro Bieito, companheira Goretti.
Sim colegas, camaradas e amigos a sua agenda de então é a nossa agenda de hoje. Três quartos de século e seguimos dando voltas nos mesmos assuntos, mas também segue aceso o mesmo espírito. Não é o eterno retorno, é a dialéctica da história que nos faz confrontar de modo recorrente os mesmos grandes problemas, ainda que seja sob roupagens ligeiramente descoloridos ou repintados.
Alexandre poderia ressuscitar e continuar a conversa quase no mesmo ponto onde a deixou. Desde logo poderia perceber perfeitamente os vetores de fundo dos nossos anseios atuais, os nossos debates neste momento crítico e dramático para o país. Porque os problemas de fundo aos que tanto esforço dedicou seguem situados nas mesmas dicotomias onde ele as deixou:
-Finanças especulativas ou economia produtiva.
-Tributos espoliadores e injustos ou progressivos e justos.
-Monarquia/república unitária espanhola ou estado galego e república federal ibérica. Centralismo ou governo próprio.
-Sucursalismo ou forças políticas próprias.
Pois bem, camaradas, nós temos hoje uma tarefa, temos uma missão: completarmos a titânica obra começada por Bóveda e Castelão, construir um estado para esta nação.
Para fazê-lo temos que ir passo a passo:
-Espalhar o seu, o nosso, ideário emancipador.
-Organizar, organizar a todas e todos os nacionalistas.
-Juntar com generosidade a todo mundo.
-Confiar nas nossas forças, nas forças próprias, confiar no povo galego.
-Irmos casa por casa, precisamos meio milhão de galegos e galegas que confiem em nós.
A grande diferença a respeito daqueles anos e da angueira que consumiu os dias de Bóveda e Castelão é que hoje temos aquilo polo que eles batalharam de modo táctico: Estatuto e instituições de autogoverno.
Lutar por conseguir aquele objectivo táctico -como ele fazia questão de chamar, táctico- justificou todos os seus movimentos e alianças naquele lustro republicano. Com a ORGA de Casares Quiroga, com Portela Valladares e desde logo a aliança eleitoral com a Frente Popular no 36. Havia que conseguir o Estatuto e o Parlamento galego como for.
Hoje temos essas instituições. São coma cascas valeiras, e com certeza, cada vez mais ensumidas e sem vida, mas estão aí.
Estão sendo inutilizadas e destruídas polos seus ocupantes, mercenários servidores do radicalismo centralista madrileno.
Mas estão aí. Há que conquistá-las, conquistá-las para convertê-las no germolo do nosso estado. Esse é o nosso objectivo táctico para hoje. Como fazem os escoceses com o Holyrood ou os catalães com o seu Parlament. Para isso precisamos ganhar a confiança da maioria dos galegos e galegas. E para avançarmos diretos nessa direção precisamos juntar as forças de todos os nacionalistas que quiserem de verdade construir o novo estado, para situarmo-nos no mundo e na Europa.
Para essa tarefa precisamos as nossas forças. Todas. Mas não precisamos reforçar as forças espanholas. Não podemos voltar oitenta e dois anos para trás. Não podemos trair a Bóveda, a Castelão e todos os que deram o passo definitivo para a autoorganização..
O que há que conseguir não se vai conseguir em Madrid, há que conquistá-lo aqui. Não é questão de amainar o espanholismo da esquerda espanhola e convencê-lo das bondades do federalismo, porque nem os espanhóis vão aceitar ser federais, mais que como via de consolidação e reforçamento do estado central -que nisso consiste o federalismo de UPyD, PSOE e IU- nem isso nos resolve o nosso problema. O que precisamos é ganhar no nosso território. Para isso há que ganhar o pessoal, precisamos meio milhão que percebam a soberania.
Por isso há que somar forças e ganhar as consciências. Por isso estamos comprometidos com o movimento estratégico multicolor Galiza pola Soberania. Vencer o teimoso discurso hegemonista do centralismo é algo que não se consegue sem esforço ativo e perseverante. Não chega com proclamarmos o respeito da livre determinação, há que sachar a inteligência colectiva todos os dias. Há que converter a soberania no sentido comum da solução aos problemas económicos e sociais.
A soberania como condição para construirmos uma sociedade melhor, para poder pôr em andamento políticas progressistas e de classe.
Alguns agora buscam no republicanismo e a ruptura da monarquia o novo santo graal do radicalismo inócuo. Bem-vindos sejam ao republicanismo os que um dia fizeram da Constituição monárquica do 78 o seu catecismo.
Repito, bem-vindos! Mas que ninguém se confunda, que ninguém pretenda reduzir a crise institucional e territorial do estado espanhol a uma questão de monarquia ou república.
Nós não imos errar o tiro, alá eles com o seu Bourbom, o nosso objectivo é rompermos o centralismo, for ele monárquico ou republicano.
Tampouco confundem escoceses, flamengos, catalães ou bascos o alvo principal.
Camaradas e colegas nacionalistas, que o discurso evanescente da ruptura do regime não vaia em realidade agir de mantra para a ruptura do nacionalismo.
Que ninguém se equivoque, sob esta grande crise estão-se redefinindo as regras de um capitalismo voraz e as regras de uma ordem territorial que está nas antípodas dos interesses do nosso país.
Como em todas as grandes crises do século XX, Madrid teve poder e a abelência para irem impondo os seus interesses e assim passou de ser a alcova dos bourbões a ser o esgoto de todas as energias peninsulares, como dizia Paz Andrade, metrópole das finanças e dos serviços da península, hipertrofiada pelo viverem das rendas parasitárias das privatizações.
A soberania não é um assunto só identitário -que também- senão que a soberania é o único cenário no que se poderão adotar políticas progressistas de classe.
Soberania para rompermos com os mercados e resgatar a democracia sequestrada pelos poderes económicos e os lobbys, recuperar o poder do povo sobre a economia, para garantir um futuro com emprego e melhores condições de vida para todos e todas. Em definitiva, soberania para defendermos as conquistas sociais.
Precisamos soberania para acabarmos com esse capitalismo furtivo, de silveira, que estraga recursos, deixa destruição e contaminação, que suga as contas das famílias e o orçamento público por todas as vias: juros, concessões e contratos, mas que além disso, ainda por cima, não paga impostos. Esse capitalismo de férias fiscais permanentes, nos paraísos da evasão e a fraude consentida. Esse é o capitalismo financeiro, parasitário, rendista que arrasa com a nossa economia produtiva, nosso emprego e o nosso bem-estar.
Amigos e amigas, este é um ano singular,
A catástrofe trágica da baboseira tecnológica espanhola roubou-os 79 seres únicos e tingiu de imensa dor o nosso Dia da Pátria. A baboseira colonial e corrupta estragou o Dia da Pátria, mas não minguou a nossa vontade patriótica, carregou-a de 79 razões mais para lutarmos por uma sociedade que prime o serviço público, a segurança e o bem-estar face ao benefício das empresas sugadoras do orçamento público.
Mas este ano também vai ser singular porque vamos provocar um ponto de inflexão na batalha contra o neoliberalismo da selva, contra a corrupção como sistema de governo dos lobbys e contra a mentira como forma de dominar a sociedade.
Estamos numa situação limite e compre dizer chega, basta, abonda já
"Compre erguer o País.
Para começarmos a andaina convocamos e convidamos a todos os galegos e galegas a uma grande mobilização nacional em Compostela o 15 de setembro".
Vai ser unha imensa mobilização do povo galego polo futuro, polo emprego, contra o espolio financeiro de NGB e do país, contra a corrupção, pola democracia e a soberania.
Queremos eleições avançadas, na Galiza e no Estado Espanhol, para resgatarmos a democracia sequestrada polos corruptos centralistas, para dar-lhe oportunidade à cidadania de limpar as instituições, recuperar poder de decisão e enxergar políticas para sairmos da crise.
Vemo-nos o 15 de setembro em Compostela
Com Bóveda e Castelão sempre na Memória.
Viva Galiza Ceive e Popular.
(*) Porta-voz nacional do BNG.