Xesús Alonso Montero: «Felizmente, a Academia nom vai no sentido de Murguia»

Segunda parte da entrevista publicada no n.º 126 do Novas da Galiza

Quinta, 20 Junho 2013 07:17

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Xesús Alonso Montero | Foto: Arquivo da RAG

PGL - Após publicarmos ontem a primeira entrega, hoje é a vez da segunda parte da entrevista realizada por Eduardo Maragoto ao presidente da Real Academia Galega (RAG), Xesús Alonso Montero. Nesta ocasiom, a conversa estrutura-se por volta do sentido das Academias, as relaçons entre línguas e Estados e a velha RAG. As duas partes da entrevista formam, em conjunto, a versom alargada que o Novas da Galiza publicou de maneira mais sucinta no n.º 126.

O sentido das academias

Eduardo Maragoto: Eu tenho sérias dúvidas de que umha Academia seja umha instituiçom útil para a sociedade moderna das comunicaçons; acho-a demasiado lenta para acompanhar as tendências e as necessidades de umha língua. Parece-me excessivo que tenha que haver umha instituiçom académica para fazer um dicionário ou umhas normas que estám publicadas desde o ano 1982, ou umha gramática que ainda nom foi elaborada. O idioma vai necessitar de instituiçons mais ágeis para acomodar-se aos novos tempos. Ademais, do ponto de vista de um republicano, ou de um marxista como o senhor Montero, nom parece defensável umha instituiçom em que os novos membros do plenário som nomeados polas pessoas que há dentro, que nom estám submetidos nem a um poder legislativo nem a outro tipo de controlo mais que o interno. Se algum dia o galego necessitasse de variar o seu caminho para acomodar-se aos novos tempos, porque as línguas sem Estados tenhem um futuro complicado, a RAG se calhar ia ter dificuldades para acompanhar a situaçom...

Xesús Alonso Montero: Eu creio que países bastante avançados tenhem Academias e talvez nunca fossem muito ágeis. Eu diria que em todo o caso deveria haver, na Galiza, em relaçom ao idioma galego, mais reintegrado, menos reintegrado, umha instituiçom normadora, sim ou nom?

Hoje em dia, na minha opiniom, nom. O inglês nom tem.

Sim, mas tem a BBC, e tem o teatro. Na Alemanha tampouco há Academia e nom tem BBC, mas concretamente na Alemanha havia o teatro. Ora, tal como estám as cousas aqui eu penso que seria suicida prescindir de umha instituiçom normadora, chame-se como se chamar. É verdade que pode ser mais ágil, mais democrática e sem dúvida algumha muitas cousas mais, mas seria suicida prescindir de umha instituiçom normadora. Imagine que prescindimos agora, que a Junta ou quem tiver poder, ou a Europa, ou os mercados, isso que chamam os mercados, decidem que desaparece a Academia. A Europa, os mercados, a troika e a senhora Merkel dizem: “Acabou-se a Academia”. Imagine o dia 1 de setembro nos institutos: Como escrevem os rapazes? Como falam? Como redigem? A que norma se atenhem eles, os professores, et caetera? Pode haver tantas normas como institutos... nom digo tantas normas como alunos, que seriam dúzias de milhares. Eu creio que seria um disparate! De romance de ficçom! Tem que haver umha instituiçom normadora, já existe e tem que ser mais ágil, mais eficaz, mais inteligente, mais aberta à sociedade. Todo isso, nalgumha pequena medida, nós queremos fazê-lo.

Por outro lado, somos nós que elegemos os novos académicos: eu fum eleito um dia para a cadeira que ocupava dom Rafael Dieste e eu tenho contribuído para a eleiçom de pessoas que até fôrom alunos meus, como Darío Xoán Cabana (alguém que estava na executiva tam polémica anterior), Xosé Luís Axeitos, etc. Mas também é verdade que nos países mais avançados é igual. Quero dizer, quem elege os catedráticos de Física Teórica ou de Álgebra ou de Latim Medieval nesta ou naquela universidade de Espanha, França ou Itália? Bem, essa é umha questom que se resolve intramuros dessa instituiçom académica. Talvez isso se poda aperfeiçoar um pouco, mas a Universidade tem funcionado e aí aparecêrom os latinistas, os físicos teóricos e os especialistas em Álgebra. Portanto eu creio que talvez num mundo saído de umha verdadeira revoluçom, as instituiçons poderám ser doutra maneira, mas no meu horizonte nom enxergo umha instituiçom essencialmente diferente desta ou diferente da Faculdade de Filologia de Compostela em que os catedráticos e os chefes de Departamento som eleitos intramuros da instituiçom. Outra cousa é que se nos pida que sejamos mais inteligentes, mais ágeis, mais eficazes, mais abertos à sociedade e que no sucessivo tenhamos mais em conta as mulheres e pequenos setores que há na sociedade e que, pronto, fam trabalho no mundo da crítica literária, da história literária, da lingüística, que som importantes e que talvez nom estejam representados aqui. Disso também se falava no nosso programa e ham-se de ver mudanças; bem, veremos se chego ao final da legislatura, porque isso também depende da minha saúde e da minha idade. Em qualquer caso, algo se fará! Portanto o outro é suicida, é suicida!

Língua e Estados

Mas falemos agora das naçons sem Estado, ou melhor, dos territórios sem Estado, que ainda que o usasse Castelao, eu nom gosto do termo naçom porque vem de Estaline.

Você debruça-se sobre isso num artigo do ano 90...

Ah, sim? E falava de naçom?

Nom, nom, você perguntava-se e respondia no mesmo artigo à pergunta de se a Galiza tinha suficiente Estado para normalizar o galego.

Ah! Esse é um artigo... em que eu dizia que a Galiza era um país com algo de Estado.

Mas nom com suficiente.

Nom, claro, claro. É que como naçom cultural, se vale a expressom, ainda nom temos os instrumentos e as instituiçons devidas...

Nem sequer a Catalunha tem.

...sem que isso implique a necessidade de que a Galiza fosse estritamente soberana, porque ademais o problema da soberania, da independência, etc., tal como era colocado nas discussons que havia nos anos 60 e 70, já mudou, porque agora eu creio que já é inútil votar o seguinte presidente, isto é, o sucessor de Rajoy, porque essas cousas já se decidem noutra parte.

Um exemplo, para mim, como utente da língua, já é mais fácil ir ver na Internet como se chama este objeto [assinalo um telemóvel], através do termo português, do que esperar pola próxima ediçom de um dicionário académico...

Isso também acontece em espanhol e tenhem Estado.

Sim, sim, mas possuem umha estabilidade normativa mui forte ao terem muitos milhons de habitantes e, mais relevante, contarem com muitos Estados, com capacidade para impor, ou melhor, promover soluçons...

Bem, impor quando há que impor. Porque, dizia umha mae, os rapazes tenhem que escrever avô com uvê porque o decidimos nós e quase, quase, quase temos o exército espanhol defendendo-nos. Ou se um dia houver um conflito num instituto porque os pais decidem que os seus filhos escrevam avô com bê igual que abuelo e houver umha manifestaçom, entra a polícia. Temos Estado para que entre a polícia. O que quero dizer é que se um dia houver um conflito público num instituto, afinal o diretor pode chamar os gendarmes. Esse é o Estado. Os gendarmes em certo modo som um pouquinho de exército.

Quando falo da importáncia do Estado para as línguas estou-me a referir, por exemplo, ao mesmo que se referia, numhas declaraçons relativamente recentes, o académico português Carlos Reis [defendendo o Acordo Ortográfico de 90].

Conheço.

Ele afirmou que em poucas décadas, nom as línguas que tinham apenas um Estado, senom aquelas que nom tivessem vários, teriam um futuro realmente incerto. Isto deriva-se do que estávamos a falar. Agora mesmo o conflito nom é avô com bê ou com uvê, senom, por exemplo, as numerosíssimas palavras que entram através da imprensa semanalmente: ao nom termos o reforço do português, estám todas a ser incorporadas através do castelhano: normal, porque precisamente estamos nesse Estado. Que opiniom lhe merece coordenar-se com outros Estados para fortalecer a norma galega?

Isso é propor umha utilizaçom do galego já totalmente inautêntica, sem humus, um idioma artificial. A mim, interessa-me o galego. O galego salvará-se se chegar a ser o idioma de instalaçom de todos os galegos ainda que falem o castelhano. Se nom for idioma de instalaçom, ainda que tenhamos Estado, nom.

Entom pensa que se se tivesse adoptado a postura reintegracionista no início dos anos 80, o galego já teria desaparecido?

Sim, eu creio que sim: Tenho-o pensado muito. Todos sabemos que há setores quantitativamente e qualitativamente importantes da sociedade galega aos quais, se lhes perguntarmos: “Gosta do galego?”, dirám que sim... mas nem o falam nem o querem falar. Som pessoas de 45 ou 50 anos, pais de filhos que o estudam no instituto e tenhem que aceitar, mas nom levantam um dedo em favor do galego. No melhor dos casos dim que está bem, mas no fundo há umha certa hostilidade ou resistência. Nessa sociedade vivemos e nessa sociedade há que convencer, a partir de onde se poda ser eficaz, que neste momento som as instituiçons políticas (muito mais que a Academia), de que nom há porque pensar que a conservaçom, a promoçom e a melhoria e a normalizaçom do galego em todas as esferas da vida seja negativa, porque se trata de um bem comum tradicional e nom som conceitos sinónimos de reaçom; antes polo contrário, de progresso. Se isto o chegarem a ver esses setores quantitativa e qualitativamente importantes, daremos passos para diante. Nesta sociedade estamos, mas se a essa sociedade propugermos estoutro galego, entom eu creio que já de umha maneira clara e manifesta, diriam: “El gallego, hasta cierto punto; el português no!”

A velha Academia

Leio-lhe umhas palavras de Murguia de 1910?

Bem, Murguia é um dos homens mais contraditórios da existência o menos coerente do mundo.

Mas foi mui importante para a instituiçom que preside...

Murguia freou toda a vida Rosalia de Castro. Murguia, que dizia no discurso inaugural da Academia, no ano 1906, que um povo que esquecia a sua língua era um povo nulo e que promovia o regresso ao velho aforismo de que umha língua diferente era umha nacionalidade diferente... nunca escreveu em galego (bom, escreveu uns poeminhas de nada) e dirigiu-se em galego aos iletrados, mas quando tem que dirigir-se aos organizadores dos Jogos Florais volta ao castelhano.

Parece normal em finais do século XIX.

Mas porque fala ele em castelhano no discurso de ingresso da Real Academia Galega? Porque falou constantemente com Rosalia e os filhos em castelhano e depois dizia que um povo que esquecia o seu idioma era um povo vencido? Assim que nom se compreende; nom nos vale Murguia! Mas leia-me isso, que di Murguia?

Trata-se dum documento de 1910 recuperado por Ernesto Vasques Sousa e que se encontra no arquivo da Academia Galega. Corresponde ao rascunho incompleto do prólogo a um livro que nunca apareceu: O Cancioneiro Popular da Galiza.

As Rimas Populares, que ele chamava durante muito tempo assim, sim.

“Dispuesto a salvar tan grave escollo, hube de decidirme por lo más racional. El gallego y el portugués, me dije, son uno mismo en el origen, gramática  y vocabulario. ¿Por qué no aceptar la ortografía portuguesa? ¿Si nos fue común en otros tiempos, por qué no ha de serlo de nuevo? [Continua a desenvolver o argumento para concluir:] me decidí por de pronto a seguir la portuguesa, modificada en aquella parte a que puede sin peligro asimilarse a la que la usamos.”

Isso estava inédito?

Estava.

Bem, há que ter cuidado com Murguia porque um reintegracionista de cujo nome nom quero lembrar-me, para demonstrar que ele estava em cheio com a causa do português, publicou inclusive o fac-símile de um manuscrito escrito em português e, em efeito, esse texto estava em português, mas o que realmente acontecia é que ele estava a copiar de um livro em português e fijo a citaçom em português, mas Murguia nom escrevia em português. Porém, esta é umha das cousas em que Murguia nom tem nenhum sentido da realidade. Murguia nom tem nenhum sentido da realidade linguística e a sua vida é a vida de um incoerente. Defendia o galego em castelhano mesmo no momento de inaugurar esta Academia. Tinha aí o momento de começar a dar o passo, no ano 1906. Rosalia já morrera no ano 1885, Curros e Pondal já publicaram os seus grandes livros. Já começava a haver prosa, etc., mas porque nom o fai? Cuidado! Convém que vocês nom se apoiem muito em Murguia, porque Murguia prestigia pouco neste assunto.

O que eu lhe quero dizer é que mesmo nesta instituiçom se trata de umha ideia de longo percurso que chega à atualidade mais defendida. Nom tem medo que a Academia esteja a caminhar em sentido contrário às necessidades do galego?

Felizmente a Academia nom vai no sentido de Murguia. A Academia é umha Academia galega que fala galego, escreve galego e propom o galego. D. Manuel Murguia foi presidente durante muitos anos de umha academia castelhanista.

Mas você defendeu a importância da sua figura para a Academia há pouco.

Bem, Murguia pujo ao serviço da Academia o seu prestígio. Murguia é um historiador, um narrador, um grande jornalista, um erudito, um polígrafo e era um homem que na teoria defendia a Galiza e o galego, ainda que logo tivesse aí umha contradiçom grande e grave.

 

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